M18 – Contos Lúbricos IX (excepcionalmente à quarta para um fim de ano mais quente)

O casaco assentava bem. Cinzento com as riscas necessárias, fazia da longitude a sua boa apresentação. Sentia-se novo e aquele convite para uma passagem de ano mistério remexia na sua expectativa dos últimos dias, ao mesmo tempo que o salvara de uma noite solitária. No envelope apenas uma morada e uma máscara.

À hora marcada dirigiu-se ao local indicado com a máscara prevista. Deixou o convite nos mascarados da porta e respirou fundo na entrada da ansiedade. Um ambiente amarelo-torrado de luz de velas acolhia suaves melodias de lascivo desejo, que se espalhava por várias salas. Por todo o lado mascarados vários. Uns mais vestidos que outros.


Deambulou por aqueles corredores de prazer onde corpos se engalfinhavam em várias cores e posições. Todas as formas e combinações eram possíveis, em comum só a máscara.

Suava no interior do desejo e não sabia bem o que fazer. Umas mãos autoritárias deram-lhe a resposta puxando-o para um recanto mais ardente. Outras mãos despiram-no. Outras passaram nas suas costas. Outras deixaram correr a sua imaginação, pois já não sabia quantas eram.

Do pudor só restava a máscara. A mistura de corpos passava na luz dos seus olhos e afastava-se do seu entendimento. Ardia de desejo e a ansiedade apressava a sua escolha. De todas as bocas nem uma palavra, apenas gemidos e abocanhados momentos. Estava tonto de tanto mudar, e de se levantar, e de se deitar, e de se levantar de novo. Muitos seios lhe tocavam a pele e arrepiavam-no de loucura. Penetrava aqui e ali, onde podia, onde lhe apetecia.

Um relógio humano, também mascarado, anunciava as últimas badaladas do ano velho enquanto os corpos se fundiam em comunhão de partilha. O êxtase e a loucura caminhavam muito próximo do fim. A temperatura de todas as humidades afogueava em aceleramentos cada vez mais rápidos. Na última badalada entrava o ano novo e saía o seu ultimo grito de prazer. Explodia em fogo-de-artifício.


De um salto abriu os olhos. Estava na sua casa, no seu sofá, na sua sala. Sozinho, olhou a madrugada do novo ano nos ponteiros do seu relógio de sonho. Sentou-se no desapontamento da realidade e lamentou a ficção.

Em cima da mesa apenas uma máscara.


P.S. - Homenagem a Stanley Kubrick.

Vacuidade #5

Sentiu a envolvência do ambiente molhado como se estivesse a ser agarrado a toda a volta. Estava a sorrir na água e a nadar na descontracção de quem se sentia em casa. No seu pescoço surgiram duas aberturas e com a simplicidade de quem nunca dali saiu, respirou. Respirou no azul profundo do seu ser.



Nadou por todos os cantos como uma criança e explorou cada molécula de água como se fosse a última. No fundo daquele mar confinado havia uma porta de luz, para onde nadou de curiosidade. Uma ligeira corrente puxava-o na direcção de um longo corredor. Deixou-se levar pela alegria da deslocação e desembocou numa enorme massa de água.

Agora já havia superfície e dirigiu-se-lhe. Espreitou a medo fora de água e viu a cidade numa perspectiva de Tejo passante. Lembrou-se do seu quarto cinzento, mas ficou animado pelo colorido do seu novo meio. Submergiu de novo e ainda conseguia respirar. Superfície, fundo, superfície, fundo. Repetiu o trajecto vezes sem conta até ter a certeza que respirava nos dois ambientes.

Saiu da água em direcção às colinas de sempre. Estava seco. Caminhou apressadamente, já com saudades da água, no sentido do seu destino e só parou na mesa do seu quarto. Os pratos ainda lá estavam. Afastou-os com decisão e sentou-se a escrever. Escreveu sobre todo o seu período cinzento, mas com caneta de cor confiante. De noite voltou ao Tejo para dormir.

Continuou seco de dia a escrever e molhado de noite a dormir (não sem antes nadar de saudade). O ano chegava ao fim e a história que deixava escrita também. Finalmente descobrira a sua vocação: era um peixe escritor!

(fim)

Obituemo-nos #3

Uma vida de sopro. Hoje, foi o último.



FREDDIE HUBBARD (1938-2008)


Bicha de Natal

Está de volta a Bicha do Demónio agora em especial de Natal. Continua a fazer as delícias de muitos (as minhas também), pelo toque original da brejeirice. Em todos os registos pode haver qualidade e eu aqui reconheço-a.


CLUBE DE LEITURA - A Trilogia de Nova Iorque #3 (O Quarto Fechado)

Rasguei as páginas do caderno uma a uma, amarfanhei-as na mão e atirei-as para um recipiente de lixo na plataforma. Cheguei à última página no momento em que o comboio saía.



Assim deixamos a última estação desta Trilogia, num conto misterioso, escrito na primeira pessoa, que narra uma viagem rumo ao desconhecido na tentativa de reconstruir o passado. O tema da identidade permanece quando um escritor desaparece e deixa a sua obra para o amigo publicar (o narrador), criando uma teia entre as duas vidas e as dúvidas do narrador em assumir, ou não, a entidade do autor. “Parece-me agora que Fanshawe esteve sempre lá.”

A mão que nos conduz nesta linha de intriga, grita de mistério aos ouvidos do nosso entendimento. Fechamos, assim, a porta deste Quarto que foi terceiro no seu todo. Opiniões precisam-se… urgente!




FRASEANDO #4

Na vida nunca se deveria cometer duas vezes o mesmo erro: há bastante por onde escolher...

Bertrand Russel



Desembrulhos

O tempo não pára nem espera por mim, mas eu esqueço-me dele. Quando me lembro, muitas coisas já passaram e eu fico atónito quando me apercebo que os gestos estão diferentes, os rostos também, que o peso dos anos se nota a toda a volta.

Tinha tudo embrulhado da mesma maneira já há vários anos, há vários natais, há várias reuniões de família. Este ano, no entanto, dei por mim a desembrulhar acontecimentos e momentos, imagens e mais paragens, convicções e outras ilusões.




Para minha surpresa, os interiores estão muito diferentes. Nem melhores, nem piores, apenas diferentes. Outras coisas nunca mudam e isso também é bom para voltarmos à casa da certeza com a segurança do conforto e o descanso de saber com o que podemos contar, ou não.

Mas a verdade, é que me deixei surpreender pelas mudanças. Acho que não estava preparado para olhar de outros ângulos, para sentir as diferenças com a naturalidade do caminhar no tempo e, sobretudo, para perceber que o meu interior igual não está preparado para as mudanças exteriores diferentes.

Foi um ano de desembrulhos surpreendentes.

Toda a Verd(ad)e

Para que a noite de amanhã seja imbuída do verdadeiro espírito de Natal, é preciso contar a verdade sobre o senhor que vai trazer as prendas. Todos temos noção, embora uns mais que outros, do poder do marketing e a influência que as grandes marcas têm na sociedade e nos costumes, mas adulterar é que não!

Como é que se pode transformar uma roupagem linda, numa campanha publicitária?! Enganar criancinhas em todo o mundo, e paizinhos também, alterando a beleza das origens. Crianças, o Pai Natal nasceu assim (coitada da mãe dele):



Se os senhores da publicidade enganosa fossem honestos não se atreviam sequer a pensar em adulterar a imagem de um santo. Se eles queriam que o senhor bebesse o que eles vendem, que eu por acaso também gosto, quanto muito faziam isto:




Sem qualquer influência enganosa, eu até acrescentaria esta bandeirazinha desprovida de qualquer significado, assim do género pura coincidência, já que está com a cor certa...

Um Natal verde para todos!



P.S. – Os funcionários do Bilhete de Ida, desejam a todos os clientes, amigos, fornecedores e leitores um santo e Feliz Natal (verde) e um próspero (e verde) Ano Novo.

P.S.2 – Vá lá um comentariozinho para a caixa de natal, assim como assim já comemoramos 250 posts!


Vacuidade #4

Pisou a relva, fofa de esperança, e sentiu os seus pés a afundarem na incerteza. Caminhou a passos de medo e embrenhou-se fundo naquele jardim de esplendor revigorante. Não percebia como era possível aquela imensidão dentro de uma casa, mas isso também não era importante no seu caminhar.

De um lado flores e mais flores com as suas cores preferidas. Já nem se lembrava como gostava de azuis, verdes, laranja… há vários anos que só via cinzento. Nas pétalas das flores, podiam ler-se frases escritas por si em tempos coloridos. Sorriu na leitura nostálgica da criação.

Do outro lado árvores dos seus frutos, alinhadas em pensamentos e graus de doçura. Aproximou-se da árvore mais frondosa e percebeu que em vez de frutos, havia fotos penduradas nos ramos. Fotos suas! Desde bebé até ao último dos seus dias coloridos.

Entre as árvores e os frutos um denso arbusto de nomes desfilava sobre o olhar atento da sua lembrança. Todas as pessoas importantes na sua vida estavam ali nomeadas. Alguns nomes estavam murchos de perceber, mas há medida que os lia floriam numa panóplia de recordações.

Deitou-se na relva e respirou todo aquele ambiente familiar. Aquele jardim era a sua vida em flor e o aroma a saudade acalmava o seu presente. Fechou os olhos na frescura do sonho e adormeceu a sorrir com uma tranquilidade há muito perdida.




Abriu os olhos. As costas doíam-lhe de novo naquele acordar de realidade. Era uma divisão escura e fria. Estava vazia. Levantou-se e dirigiu-se à porta degradada que dava para o corredor estreito por onde entrara. Bateu a porta atrás de si e arrastou-se no caminho da desilusão. No chão estava o papel gasto e sujo onde tinha lido aquela morada. Apanhou-o e reparou que a morada desaparecera dando lugar a uma única frase:

- Porta azul.

Olhou para trás e reparou que a porta que batera verde atrás de si estava agora enigmaticamente azul. Voltou atrás e bateu de novo no espanto. Desta vez, abriu à primeira pancada. Do outro lado do azul fechado, um azul imenso de frescura mostrava o fundo do mar. Mergulhou sem pensar.

(continua)

CLUBE DE LEITURA - A Trilogia de Nova Iorque #2 (Fantasmas)

Segundo andar deste edifício Austeriano. “Um livro nascido de livros, é um poema em forma de narrativa sobre a escrita e os escritores, porque, diz-se, os escritores não têm vida própria - mesmo quando existem, não existem realmente - são fantasmas”.

Esta é a história de Blue, um detective privado encarregado de vigiar um homem chamado Black, num jogo claustrofóbico que o faz cair na armadilha que ele mesmo tinha criado. As personagens que, aqui, aparecem escondidas sob o nome de cores: Blue, Brown, Black, White, Green, Grey recontam, sob alegoria vários temas.




Estaremos perante uma história isolada na Trilogia? Uma continuação? Um complemento? Agucem os vossos sentimentos trilológicos e manifestem opiniões!

Entretanto, começa hoje a votação para a próxima escolha. Boas leituras e um natal cheio de livros!

LISBON FILM ORCHESTRA

Assim que o Super-homem entrou sorrimos na magia da emoção e do reconhecimento. Baixámos a cabeça em homenagem ao seu voar que nos levava de novo a ver o filme só pela música. Aqueles 72 brilhantes músicos reproduziam ao milímetro, todas as notas que estavam guardadas no nosso imaginário.


A riqueza da experiência tornava o nosso privilégio empolgante. Na impossibilidade de ficar indiferente à exaltação dos sons, mexíamos nas cadeiras os nossos tons e fazíamos da excitação a partilha. As nossas desculpas ao vizinho de trás que nos pediu silêncio, mas a verdade é que fomos duas crianças na noite das bandas sonoras e depois veio o Indiana Jones e o E.T., ainda apareceu o Senhor dos Anéis mais o Harry Potter e os Piratas, lá, lá, lá, tá, tá, tá… e a Guerra das Estrelas!





Saímos para a rua a trautear saudade e na vontade de estômagos que cantavam por nós, ainda tivemos o nosso encore de bifes de banda sonora com molho à Ribadouro, acompanhado de duas partituras de John Williams bem fresquinhas. Ca ganda noite, !

M18 - Contos Lúbricos VIII (um natal quentinho)

Estava nua. Quase toda. Apenas o vermelho e branco de um gorro de natal contrastavam com a sua pele de chocolate preto. No corpo nada mais que a vontade de oferecer. Junto das outras prendas a sua nudez natalícia também o era.

Quando ele entrou na sala as luzes da árvore acenderam. Largou estupefacto os sacos que carregava e embeveceu-se a olhar aquela deusa de negra nudez, que estava na sua sala, junto da sua árvore, apenas com o seu gorro na cabeça.

Enquanto ela lhe retirava a roupa, ele ia hesitando na vontade e no desejo que lhe crescia, balbuciando cada vez mais descontroladamente que não podia… que era casado… que tinha vontade… que sempre fantasiara com isso… mas não podia… mas queria…




Um olhar de malícia experiente aproximou-se do seu tremor nervoso e num bailado de volúpia cantou as palavras certas:

- Podes sim. Eu sou a prenda que sempre quiseste.

Dito isto ajoelhou-se à sua frente. As mãos escuras sobressaíam naquele corpo branco e admirado, percorrendo todos os poros de desejo. O espanto aumentava-lhe a excitação e ainda na incerteza sentia toda a sua vontade a afluir numa erecção descomunal de delírio claro, que já desaparecia naquela boca de pele escura. A mistura das cores aumentava-lhe a temperatura do sonho.

Há muito desejava aquele encontro de peles contrastantes e quando se viu saído daquela boca experiente, ajoelhou-se também. Ainda a medo passou as suas mãos muito brancas naquele tronco de carvão escaldante que ostentava uns pequenos seios de bicos muito escuros e muito excitados. Não resistiu ao aproximar, e abocanhou-os mordiscando de prazer aquela rigidez fruitiva.

Ela deitou-se e ofereceu toda a sua abertura quente num rosa húmido, ansioso de o receber. Mais uma vez as cores. Branco, preto e rosa surgiam naquela palete de penetração. Por baixo, por cima, em todas as posições reinavam os contrastes lascivos das suas cores distantes de união. Não aguentava mais e rebentou na força das imagens.

Na sala, apenas as luzes da árvore se ouviam. Deitado sobre as costas ofegantes só teve tempo de um último vislumbre sobre aquele corpo de um negro escultural que já se afastava. Arriscou a dúvida:

- Mas quem…?
- Fui a prenda da tua mulher, Feliz Natal!

Obituemo-nos #2

Acabou a dinastia Garganta Funda. Primeiro foi Ela, hoje foi Ele.



LINDA LOVELACE (1949-2002)



W. MARK FELT (1913-2008)


CLUBE DE LEITURA – PRÓXIMA

Enquanto se discute a unidade, se lê a dualidade e se completa a trilogia, é preciso ir pensando nas sugestões da próxima votação. Têm chovido de tal maneira sugestões que tive de abrir o guarda-chuva da selecção e deixar passar a única que foi feita até agora!

Sem preferência, com novidade e uma insistência, mas começando pela homenagem da participação (obrigado, Clau) aqui ficam as 3 sugestões da semana. Se não houver nenhuma outra (sugestão), serão estas as que serão votadas a partir da próxima (semana), a mesma em que há um acontecimentozito de menor importância que dá pelo nome de natal.


1 – O Solista, Steve Lopez – Não conheço, mas gostei da sugestão e li a sinopse que me “agarrou”. Já comprei e, escolhido ou não, está na minha pilha de desbaste.




2 – A Tábua de Flandres, Arturo Pérez-Reverte – Uma repetição porque continua a valer muito a pena e como envolve quem fez o quê, é bom de discutir.




3 – O Que Diz Molero, Dinis Machado – Um livro que constituiu uma verdadeira viragem no mundo da literatura portuguesa dos anos que se seguiram à Revolução de Abril. É, e será sempre, um livro a ler!



... e mais Natal!

Desviei daqui... obrigado!


Sonho de Natal

Eu estava naquele limbo vegetativo de quem ainda não acordou, mas já devia, naquela faixa de transição de preto escuro adormecido para branco ténue ligeiramente acordado, ainda sorria não sei de que sonhos e os olhos ainda não tinham descolado, quando começo a ouvir uma voz de princesa de rua a cantar ao tom da “Noite Feliz”:

-Broooche… Broooche… Broooche!




Não sei se era para mim ou não, mas continuei a sorrir no meu doce acordar. Não me estava a parecer mal e de fantasia em fantasia se constrói um novo dia. Por isso deixei-me ficar mais um bocadinho a ouvir na expectativa e passado algum tempo, de novo a mesma voz de desafinado desejo sempre com a natalícia melodia do “Noite Feliz”:

-Broooche… Broooche… Broooche!

Desta vez já tinha dado um grande passo pela porta final do limbo e tal como os olhos, também os ouvidos já tinham descolado, e pude ouvir no rádio:

- Venha ao Almada Fórum, Fórum Montijo e Fórum Barreiro e ganhe um magnífico Porsche!

Afinal era um Porsche! O que a senhora cantava a plenos pulmões de natal era: pooorsche, e era um anúncio de rádio. Levantei-me na desilusão do reconhecimento e pensei que ainda não era desta que eu podia cravar ao peito aquela “espécie de fivela de metal ou de pedraria, provida de alfinete, que as mulheres usam como jóia, para prender peças de vestuário”. Adiei a minha fantasia e segui com o dia.

Há anúncios que me baralham!

FRASEANDO #3

O humor é uma tentativa para libertar os grandes sentimentos da sua parvoíce.

Raymond Queneau


Vacuidade #3

Em cima da pequena mesa de madeira, dois pratos de sopa já comida dormiam ainda sujos. Não percebeu se comera duas vezes ou acompanhado, mas o resultado final era o mesmo: estava sozinho. Voltava a estar frio e a paisagem acinzentara de novo.

Tentou extrair do sonho a força para o passo seguinte, mas a perna da motivação não se mexia e a da vontade estava coxa de esperar. Decidiu ir tomar um vigoroso banho da temperatura possível, naquele cubículo partilhado no corredor, que alguém ironicamente chamava de sala de banho.

Saiu à rua para procurar esperança e quem sabe trabalho. Longe iam os seus tempos de escritor e desde que a sua caneta de imaginação secara, nunca mais tinha conseguido escrever uma única palavra. Desde essa altura que não parava de descer escadas na vida e em dois anos passara do tudo ao nada. Já nem nome tinha.




Caminhava na tentativa de se lembrar quem fora quando um choque de coincidência bateu na sua cara. Um papel gasto e sujo continha apenas uma morada. Sem saber porquê, decidiu experimentar e fez-se à rua procurada.

Quando chegou, subiu ao 3º andar e dirigiu-se à única porta, verde, que ficava no fundo de um corredor de expectativa. Como não havia campainha, bateu com força na porta de madeira e à terceira pancada a porta abriu-se. Do lado de lá do espanto, um magnífico jardim de todas as cores convidava o seu olhar a entrar. A imensidão perdia-se de vista e o seu queixo caía na incompreensão dos sentidos. Até o cheiro era real.


(continua)

The Sound of Words - VIII

(franceses de Alcochete)

- Bobby, meu petit chien, vem ao dono!
- Olha, amanda
-lhe este pão seco a ver se ele vai buscar.
Voiiimmm
(som de pão seco a voar)
- Bobby, buscó pan, busca!



Vacuidade #2

Percebendo o recado que o destino lhe mandava, levou aquele corpo e o dono que o habitava para o seu quarto. Mesmo frio e cinzento era melhor que aquela rua de Inverno solitário. Ofereceu banho e roupa lavada a um incrédulo ser de novo humano. Conversaram toda a noite, partilhando um pão e um prato de sopa.

Descobriram-se amigos de conversar e pintaram de várias cores os cinzentos de cada um. Juntando as memórias boas individuais, conseguiram fazer um conjunto de doces recordações que comeram em fatias iguais. Sentiam-se cheios da sobremesa e adormeceram no cansaço da partilha. O quarto estava quente pela primeira vez.

Decidiram formar uma empresa de capital vontade e começaram a vender determinação juntos. Escreveram crónicas de descoberta, contos de futuro e romances de certeza. Todos os dias voltavam ao quarto com mais matéria-prima para escrever. Escreveram e venderam, escreveram e venderam… escreveram e venderam.

As paredes do quarto começaram a afastar, o soalho já só rangia de contentamento, o cinzento iluminou-se, o calor entrou e as meias coseram-se. Agora que tinham mais divisões, começaram a escrever separados. O capital aumentou e as vendas também. Formaram uma editora…




Acordou enregelado esticando o fino cobertor que já não se via de tanto esticar. Sentou-se na cama de molas ainda tristes e olhou a meia ainda rota. Voltara sem nunca ter saído.


(continua)

Vacuidade*

CORES DE UM CINZENTO SÓ

Era um quarto que se devorava em três passos. Cinzento de vontade e bafiento de desanimo. Estava frio e o chão rangia a castanho esquecido. O atraso na renda desse mês estava mais perto que a maneira de a conseguir pagar.

Sentou-se na cama de molas tristes, que lhe arranhavam a dignidade, e pensou na saudade. Sobretudo, na saudade que tinha de não ter saudade, pois essa era sempre a primeira carta que caía no seu castelo de sonho instável.




Olhou para a meia rota de desleixo e chorou. Chorou pela vontade.

Sentiu toda a solidão do mundo no seu quarto e olhou a paisagem da sua janela. Era de dia e estava sol, mas os seus olhos só viam escuridão. As paredes aproximavam-se no adensar do desalento e percebeu que tinha que sair. Algumas roupas gastas mais tarde, cheirava a cidade no seu interior e caminhava na razão do pensamento.

Calcorreou colinas de infância e aproximou o Tejo ao olhar. A cidade corria ao ritmo das castanhas e o frio encolhia vaidades. Observou todos e cada um, e pensou com inveja onde iriam com tanta certeza, com tanta vontade de lá chegar.

No canto mais frio do Paço, um monte de cartão escondia um corpo. Dormia de sujidade, frio e esquecimento. Aproximou-se e tocou no que parecia ser um ombro debaixo de roupa velha. Reagindo ao toque, o corpo virou-se e fixou o seu horror de espanto: era a sua cara que ali estava, debaixo de muito cabelo e barba!

(continua)

* Estado de vazio. Oco.

Guatarida #3 – A despedida

E lá foram. A mãe chegou do outro lado do mundo e levou-as para a casa onde pertencem, para o seu refúgio de vida. Agradeceram na saída o que receberam desde a entrada. Parece que gostaram.




Deixaram uma porta aberta na saudade, mas o tempo fecha todas as portas e abre outras tantas. O silêncio voltou ao vazio e não restam mais recordações que os despojos da festa. Gostámos de as ter por cá e podem voltar quando quiserem, esta é uma das portas que está sempre aberta!

CLUBE DE LEITURA – A Trilogia de Nova Iorque #1 (A Cidade de Vidro)

“Que acontecerá quando já não houver mais folhas no caderno vermelho?”. Estas foram as últimas palavras escritas de Daniel Quinn (que podia ser Dom Quixote, por iniciais), antes de desaparecer.

Esta primeira história da Trilogia, que também pode ser lida em formato BD, mistura real-ficção com mistério-fantástico. A brilhante tríade narrador-autor-personagem, baralha-nos da confusão o prazer da leitura. Paul Auster entra e sai do enredo como espectador participante. Uma originalidade ímpar na escrita misteriosa, deixa-nos sem perceber bem a fronteira do concreto e o horizonte da fantasia. Que pensar de tudo isto?! Quantos narradores existem?




A amálgama de certezas incertas, dão mote a uma constante dúvida no dado adquirido... ou não! Uma história sobre histórias, que cruza o que pensamos saber com o que podemos ficar a pensar.

Interpretações muitas, poderão sair da leitura de cada um: o escritor que se refugia no pseudónimo, a tragédia não sabida sobre a sua família, a misteriosa verdade dos Stillman, o autor como participante, o desaparecimento de Quinn...

Neste segundo livro do Clube, façam da opinião a partilha do entendimento. Perguntem, respondam, comentem, alvitrem... participem!



P.S. - Próxima 2ª feira (22/Dez), falaremos da segunda história: Fantasmas.

Abraços de Escrita

Na aurora da cidade onde todos dormem, menos eu, nasceu uma nova vida de confiança. Um espírito que caminhará livre onde os outros se sentam, que se deitará onde ninguém quer estar, que dormirá onde todos acordam.

No entanto, é madrugada nessa nova vida. O amanhecer sente fome no pensamento que o impele para o caminhar. A tarde faz partir e a noite senta as ideias, obrigando a fazer do sonho o andar de amanhã. Urge escrever na dor e sentir força no que não apetece. Acontece.




És o homem do teu amanhã e a criança do teu ontem, porque fizeste desta passagem um crescimento válido para a viagem seguinte. Foste ouvinte. Soubeste escrever no caule da verdade, a determinação das tuas folhas, dos teus troncos. Deixa, não ligues aos ventos broncos.

Encontra em cada camada do sonho, a análise estratigráfica do teu sentir. Escava, mas não te deixes fugir. Abre a porta da coragem e deixa entrar os maus momentos. Sentem-se na sala do destino, discutam planos e plantas tracem mapas e linhas tantas.

Depois, sorri para a vida com a pureza do teu interior e com o espírito são de homem bom, agarra o amanhã como se não houvesse ontem! De caminho, leva estes abraços de escrita.




P.S. – Efeitos de uma insónia a pensar em ti, !

M18 - Contos Lúbricos VII (temperaturas de escritor à sexta-feira)

Era o seu sétimo conto. Sempre pensara que devia lavrar por escrito, em terra imaginária, um conjunto de fantasias que aquecessem de vontade os eventuais leitores. Por isso, continuava a alinhar letras lascivamente, a desenhar palavras numa posição voluptuosa e a cimentar frases num libido ordenado. Sentia um prazer húmido no que escrevia e sorria na invenção do desejo.

As suas personagens ardiam sempre de vontade e faziam do contacto físico a razão de viver. No entanto, sentiam amiúde uma carência nas descrições que sobre elas eram feitas. Sentiam falta de palavras lúbricas, que as descrevessem em todo o seu esplendor físico.

O número sete traria de ordem, uma diferença marcada. Decidido a colmatar a injustiça descritiva, começou pelo corpo feminino (que era o seu preferido) e entregou-se a alinhavar letras, palavras e frases:

Uma pele de fino castanho dourado, envolvia uma delicada estrutura de sustentabilidade lasciva. Uns pés de elegante recorte poético tinham a perfeição dos deuses na sua base.

Mesmo por cima, umas aveludadas pernas de beleza atlética faziam da envolvência corporal a sua dança de amor, terminando num triângulo de misterioso sabor, decorado por um topo piloso eroticamente aparado. Os seus lábios de vermelho ardente chamavam desejo a quem os provasse.

Por trás deste biombo de prazer, umas nádegas desenhadas a carvão esculpido, baseavam umas costas de cintura fina e límpida de toque, que olhavam a direcção para uns delicados ombros, que desapareciam numa dança de longos cabelos pretos.

Do outro lado da serpenteada descrição, uns voluptuosos seios de rigidez absoluta, cheiravam a medida certa ao agarrar de mãos, tendo no centro uma auréola escura de apontados mamilos.

Um pescoço de estátua grega, sustentava uma mescla de sensações faciais, onde sobressaíam uns enormes olhos de um prazer castanho e chamativo. A expressão de inocência experiente, soava a penetração dançante. A sua boca de lasciva textura guardava uma língua de doce pecado.




Parou de escrever. Assim que pousou a caneta de tinta erótica, todas as letras se misturaram e começaram a ganhar forma. Um tornado de palavras ergueu-se do caderno de contos e os parágrafos descritivos rodopiaram até moldarem o corpo que acabara de (d)escrever.

Afastou-se assustado e boquiaberto olhou para a nudez da mulher que saíra da sua imaginação e que estava à sua frente materializada das suas palavras. Não percebeu se estava a sonhar, mas ela caminhava para ele com um sorriso de criação familiar. Com um olhar de desejo suplicante, sussurrou-lhe ao ouvido:

- Tenho estado à espera desta descrição. Vim para retribuir em prazer…

Sem mais palavras, igualou de um arranque só a condição de nudez em que se encontravam e encostou o seu corpo ardente ao do estupefacto criador. A primeira sensação foi de arrepio desconhecido, mas a contactos dados tudo se transformou em cumplicidade escrita.

A excitação dele era evidente entre os dois e sem mais preliminares, ela saltou para o seu colo fazendo com que desaparecesse dentro dela, engolindo-o de um só prazer.

Enquanto ele segurava em virilidade as nádegas por si descritas, entrava furiosamente na sua criação imaginativa e sorria de satisfação por não se lembrar de um prazer assim na sua realidade. Movimentos de entrada mais tarde, rebentava num êxtase explosivo final.

Ainda suspirava do acontecimento, quando aquela beleza corporal recolhia ao caderno desfazendo-se de novo em letras e palavras. Confuso por ter participado no seu próprio conto, acabou por sorrir na dúvida, lamentando não ter descrito mais cedo uma mulher, com todas as frases que ela merece.

Pelo País dos Blogs

Ainda não tenho um ano de vida neste país e os fenómenos ainda me surpreendem. Sei que há Blogs, Bloguinhos, Blogões e Super-Mega-Ultra Blogs, mas mesmo assim não pensei que se pudessem influenciar tanto uns aos outros.

Tudo começou por uma oferta, que foi originalmente feita para utilização neste blog, mas que depois me pareceu engraçado partilhar com um blog, até mais próprio, daqueles Super-Mega-Ultra. Foi assim que o fenómeno, ilustrado pela imagem em baixo, aconteceu. Um linkzinho mágico, e num dia as visitas triplicam!




O Bilhete ia afundando de tanta visita, e ficou extasiado e vaidoso de tanto se mostrar. A euforia clicante vai passar nos próximos dias e a mediazinha modesta vai voltar ao dia-a-dia destas viagens. No entanto, foi uma experiência de troca muito estimulante. Obrigado Marujo!

FRASEANDO #2

Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. - É a única.

Albert Schweitzer


Obituemo-nos

Ali, houve latas!


ALI ALATAS (1932-2008)


Café da Partilha – 4

O esticanço de Natal lá me permitiu mais uma dentada em sandes de fora, e de novo entrei no reino mágico do meu café de bairro partilhado.

Já sorria de ansiedade perante algum capítulo mais para esta saga, quando começo a esmorecer a minha esperança de acção a cada dentada que dentava e a cada gole que goleava (não marquei nenhum golo, mas bebi um galão inteiro!). Será que não ia ter nada para contar?!

Os Rosos ainda se esforçaram a falar sobre a PlayStation 3 nova que a Rosa mandou vir para o Natal (para ela, note-se!), que o primo do não sei quantos, que mora na rua por baixo da outra, saca não sei de onde, com uma legitimidade que sabe-se lá e que ainda vem com 3 jogos: o PES 9 (o preferido da Rosa), um que não se sabe o nome e ainda aquele que é só porrada (sic, mais uma vez!)! Mas, dizia eu, nem esta partilha de jogos me animava e estava a ficar desiludido com o meu café.

Mas a goles tantos, surgiu a salvação da manhã! Os meus olhos ávidos de animação, perscrutavam tudo na esperança de compensar o nada que chegava aos ouvidos, e ali estava ele! Numa parede, um magnífico diploma (devidamente emoldurado) diplomava que o Roso tinha frequentado uma formação qualquer.

Bem, pensei de mim para comigo, já se percebe que as proeminências da Lena de Leste tenham ido passear, pois afinal estamos perante um funcionário devidamente diplomado! Terá ele um curso de hotelaria?! Alvitrei em pensamentos. Olhei com atenção redobrada, e até me aproximei mais da parede (eles não repararam, porque o Roso estava a explicar à Rosa a sequência para marcar cantos no PES) e maravilhei-me com a diplomaria diplomada:

Fulano de tal (também conhecido por Roso) frequentou a acção de formação de 2h, em higiene e segurança alimentar!




Toma lá! Duas horas de formação orgulhosamente escarrapachadas na parede! Brincamos ou quê?! Ah, pois é! Mas o que julgam deste café? Orgulhoso e mais descansado por não ter sido defraudado, estendi uma nota de 10€ para pagar e recebi um:

- Oh vizinho! Não tenho trocos, paga amanhã!

E pronto! Saí contente, sem pagar e a pensar que no meu café pode faltar pão, bolos, leite, até trocos, mas já mais faltarão episódios para contar!

The Sound of Words – VII

(pintores alentejanos)

- Ná acerto ca mistura de coris!
- Ondi?
- Aqui no tom, na vês?!




Outros Sons

Muito bom! Roubei aqui porque merece divulgação.



"Star Wars" - an A cappella tribute to John Williams



E tão bom como ou melhor que ou tanto quanto... acrescentei este:



Axel F Human Version

Causa - Efeito #2

Condicionantes: Ambiente de casal. Falar de A, através de B. 15 minutos.

A – Um mata o outro
B – Fazer a barba / Passar a ferro




Fazer a ferro a barba passada

Manuel Joaquim gostava de fazer a barba no banho. Enchia a banheira de água e sentava-se lá dentro. Depois pegava na máquina e cuidadosamente (para não molhar o fio) barbeava-se ao som do seu trauteio.

Em cada dez vezes que o fazia, ouvia onze:
– Oh homem! Tu qualquer dia deixas cair a máquina na água e depois vais fazer a barba, mas é para o outro lado!

Indiferente a estes reparos, mantinha este hábito todas as sextas-feiras ao fim da tarde, quando se arranjava para ir sair… com a(s) outra(s). Este facto, quase consumado como hábito, era sabido e aceite. Talvez mais sabido que aceite, mas talvez… ou talvez não!




O que é certo, é que nessa sexta-feira, última de vida, enquanto Manuel Joaquim se barbeava com a alegria semanal, Dulce Maria foi passar a ferro na casa de banho.

– Querem lá ver isto!? Emparvaste de todo, mulher?!
– Oh querido, deixa-me estar aqui contigo um bocadinho… depois vais-te embora e só te vejo amanhã. Assim, enquanto eu passo vamos falando!

Estranhando de morte (mal ele sabia!) esta atitude, continuou na demanda pelar desbastando com inquietação. Mais estranhou, quando o habitual reparo da máquina foi substituído por um:

– Estou a passar a tua camisa pérola de folhos, que é para ires bonito.

Se estivesse a comer tinha-se engasgado, mas como não estava prendeu apenas um pêlo do bigode estimado, que não era suposto cortar. Mirrava a sua masculinidade na banheira, perante a estupefacção e o assombro. Só podia ser loucura!

– Queres que passe as calças castanhas de bombazina? Ficavam bem com esta camisa.

(silêncio)

– Dulce Maria… estás bem filha? Estás a começar a assustar-me.
– Ora essa?! Porquê? Por não querer o meu homem a sair todo maltrapilho com outras mulheres?
– Oh Dulcinha… quais outras mulheres? Tu achas que eu era capaz… eu vou jogar poker com os amigos…
– …

Perante um encolhimento masculino em banheira onde já não havia boa esperança, agigantou-se um Adamastor de ferro na mão, bramido ao compasso de um olhar furioso de muitos anos de tormentas.

Um ferro largado do cabo da certeza, acabou por ser a tempestade em banheira de água.

Causa - Efeito #1

Condicionantes: Ambiente de casal. Falar de A, através de B. 15 minutos.

A – Sogra lá em casa
B – Fazer zapping / Ler revista




Folhas e Canais

A cada folha que passava, um canal mudava no plasma. Uma revista lida em crescendo rasgar, fazia dos 10 segundos de cada imagem televisiva uma história só. Uma folha, um canal, uma folha, um canal, uma folha rasgada um comando que caía no chão, uma folha, um canal…

(pausa)

– Interessante este artigo… - Iniciava Joana de mansinho - É sobre famílias que abandonam idosos.

– Este programa também é muito interessante… é boxe tailandês!

– Ai que horror! Vê lá tu que há pessoas que no Natal vão deixar os velhos nas urgências dos hospitais!

– Pois é, que horror! Já viste como ele tem o olho a sangrar?! Ca ganda soco! E o árbitro ia levando também!

– Eu cá não era capaz de fazer isto a ninguém… nem à tua mãe! Se bem que ela ainda tem o teu pai, agora a minha…

– Em cheio no estômago! Viste?! Estes gajos têm uma agilidade. Parece que não lhes dói nada!

– Agora que a minha tia morreu… está a velhota lá sozinha… e o pior é que já não se aguenta muito bem de pé…

– Olha, olha… aquele também não! Ca ganda tareia que ele está a levar!

Uma folha, um canal, uma folha, um canal…




– Oh Ricardo… já pensaste bem?! É a minha única mãe! Coitada…

– Epá, ca ganda frango! É assim que querem ganhar campeonatos?! Eu descontava-lhes era no ordenado… francamente pá!

– Ela até podia ajudar com os miúdos…

Uma folha, um canal… Uns minutos de National Geographic depois…

– Já viste estas tribos africanas?! Quando morre o chefe da tribo, enterram a mulher também. Engraçado…

– Engraçado?! - Exclamava Joana remetendo a sua raiva ao folhear desenfreado - És mesmo insensível!

– Insensível?! - Gritou Ricardo aumentando o volume da sua televisão interna - Eu sou é muito sensível, por isso não quero nem ouvir falar da tua mãe cá em casa!

- Estúpido!

Uma folha, um canal, uma folha, um canal…

Coisas a proibir

De primeiro - A páginas tantas, em romance de Saramago (Ensaio Sobre a Cegueira), deparo-me com um deve de ser, um deviam de ser e um devem de ser. Arrepiado do meu pseudo-conhecimento, comecei a estranhar, não só que existisse um erro em texto de Saramago (tão exigente de sua escrita), como ainda por cima um erro que se repetisse!

Mau… tu queres ver?! Não… não pode ser… isto não se diz, nem escreve assim. Eu sei, toda a vida aprendi isso… deve ser gralha de revisão, ou qualquer coisa. Será mesmo?! Remoí as entranhas da convicção e fui procurar… e descobri! Devia de ser proibido escrever assim!

De segundo – A cruzamentos tantos, dou por mim a contorcer o pescoço (e se de carro é perigoso, de mota ainda pior) para olhar para aqueles outdoors. São verdadeiros atentados ao trânsito público, à moral já não digo, e um convite ao acidente. Por isso, a Irina Sheik, que dá 15 - 0 na Cláudia Vieira (Cláudia desculpa, eu até sou bem nacionalista, mas as coisas são como são) também devia de ser proibida, porque qualquer dia ainda nos estampamos! Não é Rei Leão?!



Amália

Coisas que não sabia, outras que nem por isso e muitas que não podia mesmo, ou não fossem fruto de ficção cozinhada. Mas provei e gostei. Cinema português em sabores diferentes, com acção in media res e a mística da vida e da morte polvilhada a gosto. Muita música (claro!) e algumas muito boas e refogadas interpretações, sobretudo de Sandra Barata Belo como prato principal. Polémica q.b. também me ajudou a gostar! Nem tudo é perfeito e uma pitada aqui e outra ali, todos gostamos de juntar, mas no final o prato saiu a meu contento.

Recomendo e deixo um aperitivo para degustação…





E uma sobremesa, concerteza!

FRASEANDO

O acaso é, talvez, o pseudónimo de Deus, quando não quer assinar.

Théophile Gautier




CLUBE DE LEITURA – Em segundo a trilogia

Neste Clube de leitura, democrática, a vontade dos leitores é soberana. Embora muito renhida, a votação ditou que a próxima leitura será A Trilogia de Nova Iorque de Paul Auster.




Este livro, tão a jeito dividido em três, ou não fosse uma trilogia, permite que a discussão semanal se foque numa história de cada vez. Posto isto, vamos ler até à próxima segunda-feira (15/Dez) a primeira das três logias: Cidade de Vidro.

Nesse dia será lançado o convite à discussão. No entanto, e até lá, sintam-se livres de alvitrar ideias.

Bem-vindos ao mundo Austeriano. Boa leitura!

M18 – Contos Lúbricos VI (sexta quente em tom diferente)

Uma névoa de incerteza abateu-se sobre o seu desejo. Não sabia como lidar com o contraste de vontades, mas os lascivos pensamentos toldavam-lhe o espírito e a razão. O que parecia bem ao exterior, não se coadunava com a vontade interna.

A sua batalha mental, criava uma apatia amorfa que não a impelia em direcção nenhuma. Deixou-se ficar. Quando os olhos correspondentes tocaram os seus, a batida aumentou. O sangue ferveu mais depressa, e o desejo dava passadas largas para o lado do preconceito, eliminando furiosamente o que sabia ser um pré-conceito.

Não era claro no seu corpo aquele sentimento novo e não se sabia desejável de olhar. Enquanto ia descobrindo esses novos caminhos, os olhos opostos levantaram-se na sua direcção. De um olhar passaram a um movimento. Mais depressa do que o entendimento conseguisse explicar, já estavam à distância de uma pestana. Os hálitos a desejo misturavam-se num cocktail de vontades, sabidas por um lado e inexploradas por outro. Cheirava a lábios quentes, que sem palavras se tocaram.

Um arrepio de concretização percorreu todo o seu corpo. Deixou-se sorrir. A vergonha de nunca ter percebido, baixou-lhe o olhar por momentos. A frase da tranquilidade, veio no sentido da salvação:

- Não tenhas medo. O teu sorriso diz tudo.

Uma mão em formato de convite, arrastou-a para uma cama sem público. Deitada de costas sobre a vontade, fechou os olhos e deixou-se levar. De novo um beijo quente juntou-se na sua boca. Desta vez, uma língua compareceu no bailado e apimentou a doce a barreira já passada. Palavras de confiança sussurradas em ouvido lambido, permitiram roupas a menos e desejos a mais. Uma boca experiente deslizou no pescoço da expectativa em direcção aos seus seios. Mordiscou-os como ninguém e fez crescer de vontade a dureza que sentia.

Enquanto viajava nas asas da luxúria, dois dedos entravam na sua húmidade, num vaivém de súplica ardente. Completamente entregue na dança de sensações, olhou aquele corpo tão diferente de igual que era e quis retribuir na imaginação da vontade. Agora, era a sua língua que deslizava na direcção de uma húmidade tão quente como a sua e que cheirava a sabedoria lasciva. Como se de uma boca se tratasse, beijou aqueles lábios numa avidez de descoberta e de uma só volta, sentou o seu interior noutra boca que a chamava. Todas as bocas se confundiam numa só e aqueles dois corpos encaixados, pareciam peças da mesma vontade. Dançavam, esfregavam, contorciam… lambiam gritos de prazer.




Mais uma volta na volúpia, e os seus seios roçavam noutros tantos numa dança erótica a quatro mamilos. O crescimento não parava e da gaveta das vontades surgiu um vibrar desconhecido. Apresentado de seguida, passou na fronteira da loucura como se sempre lá estivesse estado. Os corpos amavam-se em redondo e conheciam-se de prazer por completo. Partilhavam-se cada vez mais avanços e as ofertas orgásmicas surgiram na naturalidade das trocas.

Extasiados corpos gritaram para o lado e abraçados em descoberta de partilha, adormeceram no conforto da certeza, afastando a névoa inicial.

O sorriso da confirmação foi o último a chegar e encarregou-se de juntar os despojos da festa, deixando a casa arrumada para o dia seguinte.

Pensamentos de Natal e tal

1 - Onde estão os empregados de mesa portugueses? Fechados numa cave? Emigraram para outro país? Não há estabelecimento de restauração que se preze que não tenha um empregado brasileiro, ou dois, ou todos!

Não tenho nada contra eles, até são bem simpáticos como é apanágio dos oriundos do Brasil, mas há duas sensações que picam ligeiramente o meu desconforto. Primeiro, o facto de sentir falta de empregados a falar português de Portugal e que me façam sentir em que país é que estou, em segundo, a exploração implícita, tanto dos brasileiros que estão a ganhar ordenados de 4º mundo, como dos portugueses que por não quererem ordenados de 4º não conseguem empregos com ordenados de 3º porque estão ocupados pelos brasileiros.




2 – Onde está o Natal dos sentimentos? Fechado numa cave? Emigrou para outro planeta? Cerimónia religiosa à parte, que a mim não me diz nada, cada vez mais sinto o Natal como um negócio.

Das muitas coisas que me confundem, um exemplo. Anúncio radiofónico da Staples (que até costumo achar piada pelos actores), uma criança pede à mãe um Kit Tech-Emotions. É verdade que é um bolo maravilhoso, recheado de computador, gps, máquina fotográfica, viagem, actividades radicais, três quartos e casa de banho, um automóvel e o diabo a 7 (ou 8, já não sei), enfim… um mundo de exageros devidamente empolgados nesta descrição. Mas o importante, é que esta criança “exige” uma prenda de 800€! Coisa que um empregado de mesa de 3º mundo não deve ganhar e que quase deve pagar a dois de 4º!

A festa comercial em que se transformou o Natal, deixa-me entristecido. Encolhe-se-me o pinheiro da magia, fundem-se-me as luzinhas da imaginação, partem-se-me as bolas (esta é mesmo forte!) da partilha, gastam-se-me as prendas do esbanjamento e enchem-se-me os doces da troca porque tem que ser…




3 – Onde está a resolução destes problemas? Fechada numa cave? Emigrou para outro blog? Não! Está aqui mesmo:

Este Natal ofereça empregados de mesa portugueses! Por cada dois empregados de mesa portugueses oferecidos, receba de volta 5 empregados de mesa brasileiros para oferecer a instituições de caridade! Promoção sujeita ao stock existente! Concurso aprovado pelo Governo Civil de Qualquer sítio, sujeito à taxa AEG de 250% ou à Euribor (parece que vai baixar!)…


Agora a sério… Feliz Natal! (comercial ou dos outros)



Guatarida #2

Calma, não estamos a ficar contaminados pela cegueira branca saramaguiana, nem o “mal-branco” (muito em voga) chegou a este filme (apenas o mal-filmado), mas branca ternura, em branco sofá, pelas inquilinas brancas, dá qualquer coisa como isto…



Mais uma vez, mostramos à saudade do viajante que a harmonia reina numa tranquilidade de partilha. Estamos todos ambientados e a entendermo-nos muito bem. Partilhamos refeições e dormidas, brincadeiras e outras asneiras. Até já nos fechamos uns aos outros nos armários!

Por isso, deste lado do mundo para esse: estamos bem! Que aliás é como convém, porque em casa da amizade, tá tudo branco e é mesmo verdade!

Nunca são demais

Cinéfilo mês o que passou, graças ao cartão mágico. A vantagem de não pagar o que já está pago, leva-nos a sentar com frequência perante o grande ecrã. Assim de repente, entre frio e castanhas viu-se:

Em Bruges



Destruir Depois de Ler





007 – Quantum of Solace



A Dupla Face da Lei



O Corpo da Mentira



Em destaque fica 4 Noites com Anna, por uma questão cronológica (foi o último) e por ter dedo português e por ser, talvez, o menos conhecido. Depois de morto na adega da Quinta da Condessa sádica, Paulo Branco volta agora como produtor deste filme. Aqui fica uma história de amor diferente…