Recordações II

Na continuação das memórias descritivas, assim rezava em 1994 quando tudo parecia cinzento e os brancos e pretos eram raros.

Gostar à cão é a forma mais bonita, simples e pura de um humano gostar de outro humano.

Explicando-me. Um cão gosta sempre do seu dono “no matter what”, está sempre pronto a recebê-lo de braços (leia-se patas) abertas independentemente do que o dono lhe faça. Mesmo que deixe o cão em casa sozinho quando chega é uma festa. Tudo o que o cão faz é simples, sincero, sem segundas intenções, cheio de carinho, paixão, amor pelo dono, etc. O cão não julga o seu dono. Tirando talvez a perspectiva coprofógica do cão, não deve haver nenhuma característica negativa que se lhe possa apontar (tirando o caso em que são treinados especificamente para serem “maus”). Se por exemplo se combinar com a namorada um encontro e se chega, por qualquer motivo, duas horas atrasado, há de certeza tiro e facada. Com um cão isso já não acontece, temos a mesma recepção que teríamos sem as duas horas de atraso. Além do mais, e talvez o mais espectacular, é que o cão gosta de nós para toda a vida enquanto nós temos sentimentos limitados.

Amo-te para sempre?! Quem pode ter 100% certeza disso?! Ninguém! De facto a relação com o próximo, ou próxima, deve ser a missão mais difícil e espinhosa pela qual um ser humano tem que passar durante a sua estadia na Terra. E mesmo depois de morto vai lá vai! Como diria um amigo meu: “Amor, palavra vã sem sentido!”. Sim, que significado é que tem o amor?! Andamos não sei quanto tempo a pensar que sentimos isto e aquilo e afinal chegamos à conclusão que não sentimos nada disso, antes pelo contrário, e que as certezas são como um oásis no deserto… uma miragem!

Como é possível gostar de alguém para toda a vida?! Pensa-se que se encontrou a pessoa certa e que desta é que é. Mas afinal…de um momento para o outro a quantidade de amor que tínhamos nas conchas das mãos escorre-nos entre os dedos! Como é possível que tudo o que levou tempo a construir e a solidificar se desvaneça como um castelo de cartas, como algodão doce entre a língua e o céu-da-boca, sob o olhar atento do véu palatino que o vê (o amor) desaparecer. Como é possível ficar com alguém assim?! E se todas as certezas que se têm desaparecem assim de um momento para o outro depois das pessoas afirmarem e confirmarem os seus votos de vida a dois?!

A base de tudo está na certeza de que existimos. Se não tivermos a certeza de que existimos e porque é que existimos, como é que podemos viver? Mas afinal o que é existir? É saber para onde vamos?! Ou é saber porque é que vamos?! É sentir que temos certezas?! Convicções?! Vontade própria?! Amor próprio?! Ou será deambular sem rumo na estrada da vida?! Descobrir o nosso caminho nessa estrada é talvez o maior desejo de qualquer ser humano. Sentir que se toma a decisão certa! É sempre uma alegria imensa encontrar alguém decidido e determinado, com garra pela vida. O pior é o tipo de motivações que levam alguém a ter essa força…desgostos, frustrações…? Os frutos das relações desfeitas se calhar têm dificuldade em construir relações sólidas. Quem sai aos seus não degenera. Como é possível ter a certeza que não nos vai aparecer sempre alguém de que vamos gostando mais e mais e mais alguém e ainda outro alguém, enfim, quando chegarmos à última pessoa de que vamos gostar na vida é um gostar tão grande que para sermos “enterrados” só no mar, para que o nosso gostar se espalhe pelo mundo.

À guisa de resumo, baralhanço e conclusão: gostar, gostar, só mesmo à cão!


O que me faz rir agora que olho para isto é a tranquilidade de uma certeza. Obrigado por teres apagado os cinzentos da minha vida e por colorires o meu fundo!




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