O pio da pia
António da Silva Albano, de todos o mais bacano, era senhor de alta voz em porte de siglas ASA. Não pilotava de ganha-pão, mas cantava noite fora pela mão em recantos de auditório e casa. Soprava notas de timbre certo, sempre de peito aberto em fulgor de paixão cantante. Não há espectador que não se levante, e de palmas não seja exuberante sempre que o Albano, a seu jeito, cante.
Assim vivia por notas e harpejos de voz, sempre em constante cantoria. Quem o visse em franzino colo de avós, jamais lhe almejaria futuro, quem diria?! Cantava para emigrantes, senhores e outros doutores, especialistas e pedintes, alguns também pedantes, surdos e outros mudos, mas todos seus ouvintes. Festas e cerimónias, restaurantes, bares e outros lugares, alguns discos e radiofonia também constavam das suas parcimónias.
Tudo cantava sobre rodas até ao dia em que nem mais um pio. Albano abriu a consola, vergou olhos e rodopiou a mola, mas som ninguém ouviu. Excepção a uma pequena nota não musical, que do esforço saiu de mansinho e odorou mais para o lado do mal. Também mal, disse da vida má sorte, em desespero de som algum que parecia dentro de si como que fechado em caixa forte. Vieram médicos e especialistas, damas de santo e engenheiros, padres e outros curandeiros, mas ninguém o punha a cantar. Azar!
Chorava em silêncio mundano, Albano já menos bacano, pela desgraça da sina sua. Por companhia e inspiração de raça ofereceram-lhe então uma catatua. Bem se esforçava o pobre animal, por devolver a voz a seu dono, mas apagado que andava afinal, nem dormia nas horas de sono. António da Silva Albano, caía no mais fundo do desespero humano.
Esperava milagre sem força, sentado na espera do dia em cadeira tom de agonia. Até que desmaiou de desalento, caiu sem contentamento e bateu com a cabeça na pia. Pois se do piar tinha sido o mal, assim como foi também agora voltou. Albano a cantar acordou uma espécie de hino nacional.
Voltou a alegria a casa de música, voltaram as vozes e as palmas em explosão, voltou o esplendor e as cantigas de rua, voltaram os coros e os trinados de mão. Albano, de novo bacano, seguiu cantando a vida em notas de feliz canção. Até hoje não voltou a perder a pio e nunca se soube o porquê da razão.
Moral do desfecho musical: em caso de aflição afónica é cabecear qualquer pia atónita. Serve para outras questões, maleitas, frases feitas e males de índole mais geral.
Contos deste ano #6
quinta-feira, abril 02, 2009
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Contos Deste Ano,
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Laivos poéticos
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