Contos deste Ano #2

A Revolta do Avental

Leopoldina, não do Continente, era filha de gente fina e mãe de boa gente. Vagueava pelas ruas da vida, com uma alma mais curta que comprida. Dona de uma casa de alguém, varria os despojos do dia sem obrigados e só com desdém. Três filhos de geração contente, eram a alegria dos seus olhos e a razão do caminho em frente.

Nascida de berço dourado, casara com a tristeza da vida e estava o destino estragado. Largara direito de profissão, para entortar pela lide doméstica. Um, dois, três e já não teve mão, filhos e atilhos apagaram a luz da última réstia. Fazia dos dias acinzentar e guardara pincéis de esperança, pintara uma cruz no olhar e fechara o estore do amanhã criança.


Nalgum dia de visão certeira, sentira na alma um sopro dos deuses que lhe abriu a porta da escandaleira. Agarrou malas de decisão e partiu convicta sem credo na mão. Deixou para trás todo aquele que andava, na alçada de um pasmado patriarca. Levou apenas o que ainda mamava para não lhe deixar uma tão grande marca.

Voltou muitos anos depois, dona de uma vida de aventura. O que mamava já só via mamas, ainda era pendura mas já guiava bacanas. Trazia outra luz no olhar e agarrara o cinzento de frente. Enquanto os ficados continuavam a ficar, ela trazia dança em corpo mais quente.

Fizera mundos e trouxera fundos em alargadas prosas financeiras. Plantara cores e enterrara dores, deixando florir abetos e outras rameiras.

Trouxe ventos de mudança, que foram acatados na ordem do dia. A que foi já não volta nem lança, a que está é porque já foi e agora nem ia. Assim se fez nova ordem, em casa de mulher de ideias que comeu onde os outros mordem, lambeu feridas e coseu meias. Percebidas contendas as de Leopoldina, moralizam nesta história de sucesso. Pois matriarca que nasce fina, jamais será concerto de pouco ingresso.

Vera incessu patuit dea*




* Manifestou-se verdadeira deusa pelo andar.

4 Bilhetes Comentados:

Anónimo disse...

esta tua rima em prosa, está cada vez mais apurada : - )
Sabes o q me fez lembrar? A Tieta do Agreste. Parabéns Bruno Amado!

Vera disse...

Subscrevo o comentário anterior.Primeiro admirei e gostei da rima em prosa e depois gostei do Conto que me fez voar para outros cantos...
Bjs

Anónimo disse...

Muito bom este conto. E, de facto, também me fez recordar essa novela das terras brasileiras.
Estás cada vez melhor a escrever.
Parabéns

Patti disse...

E vivam as Leopoldinas desta vida, inspiradoras destas escritas concordantes.