Contos de Outrora (2ª parte)

MAÇÃS SALGADAS #2

Os meus dedos aterrorizados cravaram-se na maçã indiferente, com a força do sumo que já escorria. Vinda do fundo do medo, uma onda de energia fez-me correr como nunca na direcção do muro e do respectivo salto salvador.

O dono do berro, não se deu ao trabalho de correr atrás de mim, mas agarrou na famosa espingarda (sempre pensei que ela não existia) e apontou-a num gesto claramente repetido vezes sem conta, enquanto eu corria com a minha experiência cinematográfica, isto é, em ziguezague.

Ouvi uma primeira saraivada salgada, mas parecia estar tudo bem pois não senti nada. Ainda estava a correr e o muro estava próximo. Só falta o salto… saltei!

Do lado de lá da aterragem, a multidão de olhos curiosos, fazia perguntas sem sequer falar. Ainda bem que as maçãs cheiram, pois aquela massa disforme e esmagada que eu ainda apertava, parecia tudo menos uma maçã. Prova superada!

De volta à sala de aula não se falava de outra coisa, eu tinha finalmente marcado pontos e aquele dia era meu. Estava inchado de orgulho e não cabia no contentamento do meu casaco. Assim que me sentei levantei-me logo, um calor doloroso acabara de atacar uma zona do meu corpo que devia ser ali para os lados do fundo do rabo, ou do cimo da coxa, não sei bem. Pensei que me devia ter arranhado no salto e sentei-me mais devagar.

Os cinquenta minutos de aula seguintes foram dolorosos e, apenas refrescados, pelo meio, por alguns olhares de cumplicidade e admiração. No intervalo arrastei a minha dor à casa de banho e na intimidade do cubículo sanital, baixei as calças para uma inspecção mais minuciosa. O resultado da minha pesquisa tinha revelado, não só um buraco nas calças, mas outro na tal zona do meu corpo. Eu tinha levado um tiro de sal!

Anos passados, muros e maçãs também, e uma pequena marca ainda hoje me lembra o preço da aventura. Podia ter corrido mal, mas não correu e, sobretudo, ninguém soube da marca infligida. Para a história (a minha) fica a memória de uma fase da vida em que todos os dias nos púnhamos à prova e onde o perigo inconsciente espreitava… atrás das árvores do crescimento.

Ainda gosto de saltar muros, mas prefiro maçãs sem sal.



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