Decidira ler pela noite fora e as páginas brancas começavam a misturar-se com as pretas, numa confusão de sol que nasce com estore que morre. O livro estava cansado e com sono. As linhas não paravam quietas e os parágrafos insistiam em misturar-se. Os acentos dançavam, as virgulas dormiam e os pontos finais fugiam para os inícios.
Quando a manhã chegou já era de noite. Tinha lido o primeiro, segundo, terceiro, sétimo, quinto e último capítulos. Era uma história sobre adormecidas noites sem sono. Talvez tivesse escolhido mal aquele livro para ler em terceiro lugar. A sua falta de experiência como leitor dificultava a compreensão do texto. Era um livro em branco, como a noite.
Estava a dormir acordado e nem reparara que estava a ler o livro ao contrário. Não de trás para a frente, mas ao contrário no sentido da cabeça para os pés e do vice-versa. O livro indignado cuspiu uma folha para o chão e ele finalmente abriu os olhos.
Cinzenta da Baía um poema de Marilsa Fontes, podia ler-se na folha cuspida. Apanhou-a do chão e assistiu estupefacto a uma revolta de letras em tons de manifestação luso-brasileira: os C`s apareceram de raiva, os SE`s e os ME`s passaram para a frente das palavras, os tons ficaram menos nasalados e a rigidez poética assentou as suas regras. Depois do tumulto passou a ler-se A Baía Cinzenta um poema de Maria da Fonte.
Pouco interessado em manifestações poéticas, rasgou a folha e deitou as lusófonas poesias no caixote de prosa rasgada que estava debaixo da secretária. Endireitou o livro e prosseguiu a leitura. Afinal, era de noite, o sol acabara de nascer e tinha que acabar o seu terceiro livro de sempre.
P.S. - Exercício em que um personagem está a ler um livro. Acrescentar um acontecimento pessoal recente e mexer bem. Levar ao forno em 15 minutos. Revisto.
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exercício superado;)
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