Texto de segunda ordem

Exercício sobre personagem principal e secundário. Fazer emergir o segundo, descrevendo-o, mais que o primeiro através de um acontecimento. 15 minutos. Ready?! Go!


Manuel Augusto Principal apanhava o mesmo autocarro todas as manhãs. Era o 45 apinhado que ia do Bairro das Lagostas para o Alto de São Gonçalo. Todos os dias era o terceiro da fila na paragem, atrás da mesma velhota de sempre e do mesmo miúdo desaparecido atrás de uma enorme mochila de sempre.

Nessa manhã, esta em que nos encontramos, Manuel Augusto Principal estava na tal fila de sempre atrás dos etcs de sempre, mas por um qualquer desígnio do destino estava 30 cm mais perto da estrada. Foi assim, que o autocarro já atrasado, ainda apinhado e 45 desde sempre, lhe deu uma valente pantufada (ou autocarrada, porque de pantufa não tinha nada) no distraído ombro direito.




O aflito motorista, António José Secundário, precipitou-se porta fora na direcção do Principal, o caído, levantando-o de uma só esperança no desejo de o ver inteiro. Já conduzia naquela carreira há mais de 25 anos e todos os dias parava o autocarro naquela paragem de sempre, mas 25 cm mais longe do passeio. O que pelas minhas contas, e até agora, perfaz uma pantufada (ou a outra…) de 55 cm. Isto vindo de um autocarro tem que se lhe diga, e que se lhe sinta.

António José Secundário, mal dizia a sua quota-parte de centímetros ao lado, enquanto pensava nas consequências daquele acidente: ia ser chamado ao chefe de turno, depois ia ser chamado à direcção, ia ser suspenso 3 dias até se completar o inquérito e quem é que ia alimentar os seus 4 filhos, sobretudo agora que a mulher o deixara?! A sua impecável folha de serviço ia ficar manchada, já não era promovido a Condutores VII, já não seria aumentado em 23€, já não podia levar os miúdos de férias… mas afinal o que lhe teria passado pela cabeça para ter sido pai aos 50? E aos 52… e 54… 55… Ainda por cima, agora, sem ajuda. Tinha que arranjar alguém rapidamente. Estava decidido a por anúncio no jornal se fosse preciso.

Lá em Angola é que a vida era boa. Era um jovem despreocupado, livre de tudo e de nada… talvez fosse do tempo… ou do tempo. Tempo e tempo ajudavam muito em África. Deixara uma promissora carreira de Engenheiro mecânico para ser motorista na metrópole… ah se o arrependimento matasse… era só temporário e já lá vão 25 anos… e agora esta falha…

- Olhe, importa-se?! Eu é que sou o Principal e continuo aqui estendido, inteiro mas ainda estendido!

- Desculpe… distraí-me com pensamentos secundários!

2 Bilhetes Comentados:

Si disse...

Há alturas em que faço isso, mas não é propriamente em exercício.
O teclado toma-se-me conta dos dedos e a juntar ao meu péssimo sentido de síntese, às vezes as personagens secundárias desarvoram por ali fora e pronto, lá se entorna o caldo e os secundários passam, por vezes, a principais....

João disse...

Zé...

Parece que o tempo quando é secundário se torna muito mais principal.

Depressa e bem!

Muito bom

Zé piqueno