Há sempre alguém satisfeito

Quando os primeiros apareceram, ainda a sua pele estava fria da noite anterior, e começaram logo a desarrumar tudo ao seu redor deixando pegadas parvas na tranquilidade de quem acordava, percebeu que o seu descanso terminara e que depois destes se seguiriam todos os outros. Os olhos descolavam a custo e contra vontade. O sol já espreitava, na sua costumeira e irritante alegria.



O dia prometia a habitual intensidade de trabalho ao calor, a suportar o peso de milhares de pessoas: umas que a pisavam, outras que se deitavam sobre ela, outras que a esburacavam, outras que lhe espetavam chapéus nas costas, outras que a sujavam, outras que jogavam, algumas até roncavam, outras que a construíam, outras que ali estavam e outros ainda que passavam.

Assim foi e assim se cumpriu.

Mais tarde, penosamente mais tarde e com o sol quase escondido, conseguiu dar os primeiros bocejos de algum descanso. Os últimos resistentes arrumavam as toneladas de tralha indispensável para a praia e deixavam impressas as últimas pegadas do dia. Só o mar se sentia e o reino do silêncio começava timidamente a instalar-se.

A noite, que logo se seguiu, era serrada pelo lenhador do tempo e a areia finalmente dormia. Sonhava com um dia chuvoso e sem ninguém na praia. Se ao menos chovesse no dia seguinte…

Dia seguinte: chove desalmadamente. *



* - Qualquer coisa (em litros por metro quadrado) que fica entre a crueldade de não ter alma e a bátega imensa que se abateu hoje. Ao menos há alguém satisfeito!

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