Vacuidade #2

Percebendo o recado que o destino lhe mandava, levou aquele corpo e o dono que o habitava para o seu quarto. Mesmo frio e cinzento era melhor que aquela rua de Inverno solitário. Ofereceu banho e roupa lavada a um incrédulo ser de novo humano. Conversaram toda a noite, partilhando um pão e um prato de sopa.

Descobriram-se amigos de conversar e pintaram de várias cores os cinzentos de cada um. Juntando as memórias boas individuais, conseguiram fazer um conjunto de doces recordações que comeram em fatias iguais. Sentiam-se cheios da sobremesa e adormeceram no cansaço da partilha. O quarto estava quente pela primeira vez.

Decidiram formar uma empresa de capital vontade e começaram a vender determinação juntos. Escreveram crónicas de descoberta, contos de futuro e romances de certeza. Todos os dias voltavam ao quarto com mais matéria-prima para escrever. Escreveram e venderam, escreveram e venderam… escreveram e venderam.

As paredes do quarto começaram a afastar, o soalho já só rangia de contentamento, o cinzento iluminou-se, o calor entrou e as meias coseram-se. Agora que tinham mais divisões, começaram a escrever separados. O capital aumentou e as vendas também. Formaram uma editora…




Acordou enregelado esticando o fino cobertor que já não se via de tanto esticar. Sentou-se na cama de molas ainda tristes e olhou a meia ainda rota. Voltara sem nunca ter saído.


(continua)

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