Vacuidade #4

Pisou a relva, fofa de esperança, e sentiu os seus pés a afundarem na incerteza. Caminhou a passos de medo e embrenhou-se fundo naquele jardim de esplendor revigorante. Não percebia como era possível aquela imensidão dentro de uma casa, mas isso também não era importante no seu caminhar.

De um lado flores e mais flores com as suas cores preferidas. Já nem se lembrava como gostava de azuis, verdes, laranja… há vários anos que só via cinzento. Nas pétalas das flores, podiam ler-se frases escritas por si em tempos coloridos. Sorriu na leitura nostálgica da criação.

Do outro lado árvores dos seus frutos, alinhadas em pensamentos e graus de doçura. Aproximou-se da árvore mais frondosa e percebeu que em vez de frutos, havia fotos penduradas nos ramos. Fotos suas! Desde bebé até ao último dos seus dias coloridos.

Entre as árvores e os frutos um denso arbusto de nomes desfilava sobre o olhar atento da sua lembrança. Todas as pessoas importantes na sua vida estavam ali nomeadas. Alguns nomes estavam murchos de perceber, mas há medida que os lia floriam numa panóplia de recordações.

Deitou-se na relva e respirou todo aquele ambiente familiar. Aquele jardim era a sua vida em flor e o aroma a saudade acalmava o seu presente. Fechou os olhos na frescura do sonho e adormeceu a sorrir com uma tranquilidade há muito perdida.




Abriu os olhos. As costas doíam-lhe de novo naquele acordar de realidade. Era uma divisão escura e fria. Estava vazia. Levantou-se e dirigiu-se à porta degradada que dava para o corredor estreito por onde entrara. Bateu a porta atrás de si e arrastou-se no caminho da desilusão. No chão estava o papel gasto e sujo onde tinha lido aquela morada. Apanhou-o e reparou que a morada desaparecera dando lugar a uma única frase:

- Porta azul.

Olhou para trás e reparou que a porta que batera verde atrás de si estava agora enigmaticamente azul. Voltou atrás e bateu de novo no espanto. Desta vez, abriu à primeira pancada. Do outro lado do azul fechado, um azul imenso de frescura mostrava o fundo do mar. Mergulhou sem pensar.

(continua)

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