Vacuidade #5

Sentiu a envolvência do ambiente molhado como se estivesse a ser agarrado a toda a volta. Estava a sorrir na água e a nadar na descontracção de quem se sentia em casa. No seu pescoço surgiram duas aberturas e com a simplicidade de quem nunca dali saiu, respirou. Respirou no azul profundo do seu ser.



Nadou por todos os cantos como uma criança e explorou cada molécula de água como se fosse a última. No fundo daquele mar confinado havia uma porta de luz, para onde nadou de curiosidade. Uma ligeira corrente puxava-o na direcção de um longo corredor. Deixou-se levar pela alegria da deslocação e desembocou numa enorme massa de água.

Agora já havia superfície e dirigiu-se-lhe. Espreitou a medo fora de água e viu a cidade numa perspectiva de Tejo passante. Lembrou-se do seu quarto cinzento, mas ficou animado pelo colorido do seu novo meio. Submergiu de novo e ainda conseguia respirar. Superfície, fundo, superfície, fundo. Repetiu o trajecto vezes sem conta até ter a certeza que respirava nos dois ambientes.

Saiu da água em direcção às colinas de sempre. Estava seco. Caminhou apressadamente, já com saudades da água, no sentido do seu destino e só parou na mesa do seu quarto. Os pratos ainda lá estavam. Afastou-os com decisão e sentou-se a escrever. Escreveu sobre todo o seu período cinzento, mas com caneta de cor confiante. De noite voltou ao Tejo para dormir.

Continuou seco de dia a escrever e molhado de noite a dormir (não sem antes nadar de saudade). O ano chegava ao fim e a história que deixava escrita também. Finalmente descobrira a sua vocação: era um peixe escritor!

(fim)

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