A(l)ma da vida

Puxou o casaco para os ombros. Estava frio na sua alma e a pele começava a ficar arrepiada de desânimo. Deu mais uns passos em direcção a sabe-se lá onde e não conseguiu aquecer. Sentia que falhava a sua missão e toda a razão de existir não parecia fazer qualquer sentido.

Percorreu ruas perdidas sem mapa de vontade e deixou-se embalar nas lágrimas do desespero. As forças escorriam pela sua determinação abaixo, a respiração prendia em cada passagem e o pensamento desfazia-se em flocos de angústia. Sentou-se. Era o último reduto da sua condição. A última réstia de energia esvaía-se entre os dedos do destino e desaparecia nas ondas da inevitabilidade.

Encolhida no frio da desistência começou a desaparecer nos escombros da estagnação enquanto o relógio temporal se recusava a parar para dar uma ajuda. O mundo passava e ignorava aquela presença, com a indiferença de quem não quer saber. A vergonha instalara-se nas circunstâncias e não permitia sequer um olhar.




Duas ruas mais abaixo, um raio de sol espreitava à esquina da oportunidade. O dia começava a nascer e sentia fluir no seu todo a energia da esperança e a liberdade da vida. Timidamente percorreu as ruas, trocando o cinzento e o frio da noite pela luz quente da convicção. Era um raio jovem e ainda não tinha muita experiência.

De olhos cada vez mais atentos às agruras da vida, reparou num aglomerado de tristeza tolhido a um canto. Aproximou-se com a cautela da inexperiência e começou a levantar questões, a escavar problemas e a destapar amarguras. Sentiu-se crescer no que tinha que ser e tornou-se adulto na intervenção.

Debaixo de todo aquele frio de existir, estava a maior e mais encolhida angústia que alguma vez vira. Ajudado pelo dia mais velho estendeu a mão e tocou-lhe de esperança. Não houve reacção. Tocou mais uma vez e nada. Decidiu abraçar aquele desamparo com toda a força da sua juventude luminosa. Alguns aquecimentos depois, sentiu movimento.

Sorriu na confiança do objectivo e forçou-a a levantar-se da desistência. Um cheiro intenso a tristeza caiu no chão e desapareceu entre as pedras de outrora. Abraçou-a novamente, ainda com mais esperança e deixou que renascesse de júbilo. O dia ocupava já todas as ruas e as últimas tristezas escondiam-se no passado.

Aquela estrela apagada iluminava-se de novo e com o agradecimento no olhar deitou fora o casaco e deixou sorrir a alegria do vento nos seus ombros. Partiu para o destino perdido e nunca mais deixou de brilhar.




P.S. – Vai sempre haver um amanhã!

5 Bilhetes Comentados:

Si disse...

Este texto é maravilhoso e não consigo dizer mais nada.....

Patti disse...

Lindíssimo Bruno, uma antologia à esperança, à luta e ao optimismo!

Anónimo disse...

E sabes porque é que um raio de luz pode iluminar uma estrela em vias de extinção? Porque o Sol é a maior estrela de todas.

Anónimo disse...

É mesmo! Há sempre um amanhã iluminado! Sempre! É só acreditar que sim :)

iris_esfenoidal disse...

Belíssimo!