O sonho estava acordado, Já há duas noites que não conseguia dormir. Tinha dores de barriga e estava inchado de medo de não conseguir voltar a ter as noites tranquilas de sempre. Sentia as entranhas da alma na fronte do pensamento e rebolava impacientemente na sua cama de exaltação.
Contava carneiros, ouvia a respiração, cheirava flores imaginárias, meditava, pensava em paisagens tranquilas… nada. Não conseguia fazer o que sempre fizera toda a vida: dormir!
Decidiu pegar num personagem imaginário (W. Sterck), juntou-lhe mentiras e conflitos interiores e levou-o pelos campos do pensamento na esperança de conseguir adormecer.
Wanderlei Sterck vendia água de coco na praia de Copacabana, às meninas de biquíni desaparecido e fio dental, ou seja, a todas. Andava pela areia escaldante a apregoar o olho, enquanto regalava a venda. Quer dizer… isto era o que sonhava quando estava acordado, porque quando estava a dormir sonhava que estava acordado.
Mentira! A verdade é que não conseguia dormir já há muitos anos e estava inchado de medo de nunca mais o conseguir fazer. Também não se chamava Wanderlei, mas sim Wanda Sterck e era travesti nas noites de Lisboa. Talvez por isso não conseguisse dormir, pois tinha que o fazer de dia quando devia estar acordado. O desgosto que causara ao seu pai, serralheiro mecânico de profissão e de atitude, é que o mantinha vivo, e acordado, pois as danças pela noite rendiam bom dinheiro.
Mentira! Chamava-se Winthorp Sterck the III e era filho de um banqueiro inglês podre de rico e de carácter. Sonhava com as praias do Brasil e os biquínis que por lá andavam a dançar em corpos bronzeados. No entanto, tinha que trabalhar 12h por dia fechado no banco do seu pai. Era o preço do seu dinheiro mentiroso.
Mentira! Warajad Sterck Rashid era um realizador indiano de filmes sobre sonhos que nunca contavam a verdade e que estavam sempre acordados. Era viciado no corpo da mulher e muitas vezes vestia-se como uma. Sofria de uma grave crise de identidade, que se revelava muito útil para criar personagens para os seus filmes, mas que nunca o deixava dormir. Esta é a única verdade.
Quase sem dar por isso, o sonho finalmente adormeceu.
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Um conto q podia ser Záfon... pelo menos no que respeita à lógica dos contos em forma de "bonecas russas": um conto dentro dum conto dentro dum conto...é verdade q é usado mas resulta sempre tão bem....e este autor é muito melhor q o Záfon ; - )
Muitos parabéns! Muito giro!
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