CLUBE DE LEITURA – Hotel Memória #1

Sem grandes delongas opinativas, começam aqui e agora as primeiras conversas de partilha literária do Bilhete de Ida. Opto por não manifestar no post as minhas opiniões, para ter hipótese de o fazer também nos comentários (Bilhetes Comentados), tal como qualquer outro membro do Clube.

Este post vai ficar no "hall" do Clube 24 horas, mas sempre que quiserem explorar o "resto da casa", basta clicar nos links ali da barra lateral à direita. Podem comentar sempre que quiserem, tentando só falar da primeira parte esta semana.

Lanço algumas questões que podem ter interesse para explorar e para iniciar as hostilidades: a crítica parece ser unânime em referir que há autores que influenciam a forma e o estilo da escrita de João Tordo. Se notam isso, que autores vos sugere? Poderá ser considerado um autor romântico? Que choque provoca a crueza da morte de Kim acabando com um amor que mal começara? Que expectativas levanta esta primeira parte em direcção ao final do romance? Será esta parte sugestivamente fatalista? Sentem aguçada a veia do mistério? Que tipo de narrador podemos sentir? E as personagens, que caminho seguem?

Estes são apenas alguns exemplos do que podemos comentar. Escrevam das vossas sensações, pensamentos, ansiedades, expectativas e tudo o mais que aqui couber. A que vos sabe este romance? Façam-se ouvir e opinem. Opinem até à exaustão das ideias. Venham elas!



14 Bilhetes Comentados:

Anónimo disse...

Impressionei-me com o Hotel Memória logo na primeira linha: "Quando a conheci já ela trabalhava para um morto." Um livro que começa assim, só pode ser bom.
No Clube Dumas, o detective Corso que investiga livros, diz, a páginas tantas:

"Primeiras linhas - exclamei.-Sempre essas extraordinárias primeiras linhas...Lembra-se da nossa conversa em relação a Scaramouche? 'Nasceu com o dom do riso...' Há frases iniciais que às vezes marcam uma vida inteira, não acha?...'Canto às armas e ao herói', por exemplo. Nunca praticou esse jogo com alguém da sua confiança?...'Um modesto jovem dirigia-se em pleno Verão...', ou aquela outra: 'Andei durante muito tempo a deitar-me cedo...' E, claro: 'A 15 de Maio de 1796, o General Bonaparte fez a sua entrada em Milão'."

Bom, eu só reconheci uma destas citações mas de hoje em diante, na minha colecção de primeiras frases vai figurar esta: "Quando a conheci já ela trabalhava para um morto" ao lado doutra que tb podia ser do João T: "Foi uma chamada para o número errado que despoletou tudo, o telefone a tocar três vezes no silêncio da noite, e a voz do outro lado da linha a perguntar por alguém que não era ele."
Vejam se descobrem esta.
Bjs,
f

Anónimo disse...

Paul Auster

Anónimo disse...

Paul Auster e a Trilogia.
Já vi alguns comentários que falam nesta relação João Tordo/Paul Auster e de alguma maneira concordo. Nos cenários e suas descrições, na morbidez, no "escuro" da escrita. Neste primeiro capítulo, a determinda altura, parece que timidamente entra luz, no começo de uma paixão. Logo acaba e o assumir da culpa, os remorsos, a propria "morte" de Ismael com o esquecimento provocado pela bebida, com a falta de vontade "...muito tempo na vida de um homem sem destino." leva-nos outra vez para o sombrio, para o acaso. Acabei de ler este primeiro capítulo com a sensação de que o acaso será sempre conduzido por uma busca, por Kim, por ele próprio, por qualquer coisa.

Anónimo disse...

Vamos lá comentar este primeiro capítulo.
A frase de abertura é, sem dúvida, o teaser para o resto do livro. Quem é ela? Quem é o morto? "Soube-o mais tarde, mas só passados três anos fui capaz de descobrir (...)".
Deixa o gostinho para avançar.
Vários estados de espirito passam por este capítulo. O conhecimento, o enamoramento, a morte. Mostar que também se morre de amor. Não fisica, mas psicologicamente, quando se sobrevive porque se tem de sobreviver. Não acho que o autor explore exaustivamente esta dor psicologica, mas fica bem retratado o sentir. Ainda mais quando os pontos de viragem são também acompanhados de dor física (o partir do nariz, a sova que leva no final). Será necessidade de enfatizar o sentir mal?

Anónimo disse...

Hotel Memória, gostei:
-de ler uma boa história, sem palavras caras
-de não saber o nome do herói
-das personagens do restaurante chinês
-das duas cenas de sexo (há coisa mais camaleónica que o sexo?)
-que fosse um capítulo sobre uma história de amor

Não gostei:
-que a miúda fosse tão enigmática e pouco acessível (o que é tramado qd acontece na vida!)
-de ainda não ter acabado o livro

Até ao próximo capítulo.
Abraço.

Anónimo disse...

Sim, Paul Auster e a TNY. Também concordo com as semelhanças de cenários e de acasos que no fim se interligam. O q me parece diferente no Hotel é a ingenuidade do Ismael...a história parece querer dizer q a pureza é um luxo a que poucos se podem dar pq os torna vulneráveis aos acasos mais catastróficos.
Outra coisa que dá que pensar são as semelhanças entre o herói e o próprio autor (deve ser difícil fugir a uns traços autobiográficos) mas se assim fôr temo pelo fim da história...Será que o Ismael consegue escrever um policial em que afinal tudo acabe bem?
f

mulhercaotica disse...

No geral gostei do livro. Contudo à medida que a leitura avançava, apoderou-se de mim um sentimento de saturação, pois achei toda a trama para encontrar o paradeiro do fadista um pouco secante.

bjs

Anónimo disse...

e do Melville? ninguém fala do Melville?!...o rapaz primeiro chama-se Ismael, depois Bartleby, confessa que gosta do Melville, a Kim oferece-lhe um livro e niguém fala dele?!
Se calhar, ninguém conhece... ou então só leu a Moby Dick em versão infantil...como eu : - (
Quem souber alguma coisa, que se levante e fale. Nós agradecemos : - )

Brunorix disse...

E do Tordo? Ninguém fala do João Tordo?!... :) :)

A minha leitura compulsiva e obsessiva é coisa recente. O que me leva a confessar as minhas lacunas em muitos campos literários, como os austerianos e os melvillianos. Embora o Melville, nesta parte até tenha referências directas (como foi dito, e bem, no comentário anterior), ao contrário do Auster que se revela directamente apenas na epígrafe, eu penso que o João Tordo (tal como todos nós) escreve o resultado da soma da sua vida, do que leu, do que viu, do que ouviu, sentiu, experimentou, etc.…

Por isso, para mim, o Tordo escreve num estilo tordiano! :) O que mais me marcou, nesta primeira parte, foi a queda abrupta, depois da subida leve e enamorada da conquista. Embora estivesse referido, até na sinopse, que a Kim ia morrer (cheguei a esquecer ao longo do capítulo), adorei o choque do acontecimento!

Gosto de livros, que andam à volta dos livros e dos leitores e dos escritores e até dos estudantes de literatura. Este é pródigo nisso!

Patti disse...

Já que falam tanto em Paul Auster, aqui vai para os interessados:

Paul Auster no Cascais Shopping,no próximo domingo dai 16, às 15h em companhia do crítico de cinema Rui Pedro Tendinha.

Para saber mais aqui:
http://amc-nuncamais.blogspot.com/2008/11/por-mero-acaso.html

Depois volto para o comment.

Vera disse...

Tenho que confessar que nunca li Paul Auster apesar de também ele habitar as minhas estantes. Não sei porquê...nunca me apeteceu, de cada vez que olhei para ele a espreitar lá da prateleira onde se encontra a descansar. Por este motivo não posso comparar esta escrita à dele. Concordo com o Brunorix, o João Tordo escreve tordiano :-)
Quanto a este 1º capítulo, deste livro que adorei, tenho a dizer que gostei das descrições de lugares e de pessoas (págª 11, 2º parágrafo, 6º período). Nunca estive em Nova Iorque (embora sonhe ir lá um dia), mas consegui ver a cidade nestas descrições (págª 13, 3º parágrafo,4º período em diante até ao final do parágrafo) e amei-a.
Finalmente, gostei do enamoramento e da paixão que durou apenas uns segundos em toda esta narrativa. Admirei a forma muitíssimo bem descrita da caída a pique após a morte da Kim. Todo o silêncio, todo o lado do sub-mundo que surge na história após a Kim desaparecer.
Pronto Brunorix, já cá estive a dizer de minha justiça!

Patti disse...

Eu prefiro histórias em que o narrador é não participante. Dá-me uma ideia de mais realismo. No entanto, este narrador, este 'eu' escolhido pelo Tordo, é bem conseguido.

O mesmo não acontece com Kim, o paixão dela, nãos se compara à dele, personagem sem dúvida nenhuma um romântico. Até na tragédia que se abate sobre ele. Kim, nesta trama, servirá para isso, para nos mostrar o declínio do herói romântico.

A vida misteriosa dela está pouco explorada, não me despertou muita curiosidade ou interessa o que ela fazia todas as noites, ou até onde morava. É uma personagem com muito pouco conteúdo. E aqui, na minha modesta opinião, há uma falha do Tordo, o facto de nós já sabermos que ela ia morrer, não implica que a torne pouco interessante.

Anónimo disse...

Obrigada Vekiki! Reli algumas partes e de facto as descrições são boas...tu bem tinhas dito para lermos com atenção! E reparei também que além do espaço, o autor faz sempre referência às estações do ano, ao calor e ao frio, à neve, à cor das folhas das árvores...escreve com todos os sentidos...e faz bem muito bem. f

Ana Paula Sena disse...

Gostei muito do livro. A descrição do ambiente do restaurante chinês, assim como a crescente entrega do personagem principal à vagabundagem, são aspectos dos mais interessantes, quanto a mim. Há como que um teste de Ismael a si próprio: quais os limites a traçar para a sobrevivência? Neste aspecto, há muito do universo de Auster no livro, a meu ver.
Quanto a outras influências: Ismael tem o seu quê de Bartleby, ou seja, tem potencialidades que nunca chega a concretizar ou realizar. Em vez disso, perde-se no labirinto de uma busca que é também busca de si próprio.

Apesar das influências (também o ambiente negro e algo macabro que recordam Poe), encontrei no João Tordo uma voz jovem e muito original. Até porque não há escrita fora de influências.

Agradeço a oportunidade de participar nos comentários. :)

Voltarei...